Serradura
A minha vida sentou-se
E não há quem a levante,
Que desde o Poente ao Levante
A minha vida fartou-se.
E ei-la,a mona,lá está,
Estendida, a perna traçada,
No infindável sofá
Da minha Alma estofada.
Pois é assim: a minha Alma
Outrora a sonhar de Rússias,
Espapaçou-se de calma,
E hoje sonha só pelúcias.
Vai aos cafés,pede um "bock"
Lê o "Matin" de castigo,
E não há nenhum remoque,
Que a regresse ao Oiro antigo!
Dentro de mim é um fardo
Que não pesa,mas que maça:
Um zumbido dum moscardo,
Ou comichão que não passa.
Folhetim da " Capital"
Pelo nosso Júlio Dantas--
Ou qualquer coisa entre tantas
Duma antipatia igual...
O raio já bebe vinho,
Coisa que nunca fazia,
E fuma o seu cigarrinho
Em plena burocracia!...
Qualquer dia pela certa,
quando eu mal me precate,
É capaz de um disparate,
Se encontra uma porta aberta...
Isto assim não pode ser...
Mas como achar remédio?
--Para acabar este intermédio
Lembrei-me de endoidecer.
O que era fácil-- partindo
Os móveis do meu hotel,
Ou para a rua saindo
De barrete de papel
A gritar "viva a Alemanha"
Mas a minha alma,em verdade,
Não merece tal façanha
Tal prova de lealdade.
Vou deixá-la --decidido--
No lavabo dum Café,
como um anel esquecido.
É um fim mais "raffiné".
Mário de Sá Carneiro