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No Labirintto Z

"Este labirinto [ruas indefinidas] de linhas retas, não de complexidade, aonde o leva o tempo de um homem cuja verdadeira vida está longe." (Jorge Luis Borges)

No Labirintto Z

"Este labirinto [ruas indefinidas] de linhas retas, não de complexidade, aonde o leva o tempo de um homem cuja verdadeira vida está longe." (Jorge Luis Borges)

Sonho

21.06.06, Zana
“Se um pouco de sonho é perigoso, não é menos sonho que há de curá-lo, e sim mais sonho, todo o sonho. É preciso conhecer inteiramente os nossos sonhos, para não mais sofrer com eles.” 
(Proust -1871/1922).

Rubem Fonseca

21.06.06, Zana
Diário de um Fescenino 
 
1.º de janeiro


Decidi, neste primeiro dia do ano, escrever um diário. Não sei que razões me levaram a isso. Sempre me inte­ressei pelos diários dos outros, mas nunca pensei em es­crever um. Talvez depois de considerá-lo terminado -quando?, que dia? - eu o rasgue, como fiz com um romance epistolar, ou o deixe na gaveta, para, depois de morto, os outros - nem sei quem serão, pois não tenho herdeiros - resolverem o que fazer com ele. Ou, en­tão, pode ser que eu o publique.
"O bom diarista", disse Virginia Woolf, "é aquele que escreve para si apenas ou para uma posteridade tão distante que pode sem risco ouvir qualquer segredo e corretamente avaliar cada motivo. Para esse público não há necessidade de afetação ou restrição." Não me imporei restrições, porém sei que estarei sendo influen­ciado de várias maneiras, ao considerar a hipótese de ser lido pelos meus contemporâneos. Os autores de diá­rios, qualquer que seja sua natureza, íntima ou anedóti­ca, sempre escrevem para serem lidos, mesmo quando fingem que ele é secreto. 0 Samuel Pepys, que codifi­cou o seu diário, deixou pistas para ser decifrado.
Nesse gênero literário, o autor fala sozinho, numa espécie de solilóquio. Aqui, porém, não apenas a minha voz, a do protagonista, será ouvida, mas também as dos outros, deuteragonistas e tritagonistas. (Podem me cha­mar de pedante, mas que nomes posso atribuir a esses outros, a partir do momento em que me denominei pro­tagonista?) Confesso que, ao realizar essa tarefa, preten­do me exercitar na técnica de escrever em forma dialo­gada. Há escritores, talvez eu seja um deles, que têm um certo preconceito contra o uso freqüente de falas para descrever interações entre dois ou mais persona­gens. O teatro não pode prescindir do diálogo e o cine­ma pode contar alguma coisa sem usar diálogos graças ao close e outros truques de câmera, no entanto o que o cinema pode nos dizer com imagens nunca tem a mes­ma riqueza de significados da narrativa literária. Acho que fiz todos os meus livros de ficção sem diálogos por não os ter usado no primeiro que escrevi, que fez aque­le sucesso todo. Tentei repetir o mesmo formato. Mas aqui pretendo contar o que acontece usando diálogos. Tentarei reproduzir fielmente as expressões verbais de meus interlocutores. Ao fim do dia, após digitar os diá­logos junto com uma descrição sucinta do cenário e das circunstâncias em que eles ocorreram, arquivarei tudo na memória do meu computador. Talvez escapem ges­tos ou falas importantes, elipses estas que resultarão de preguiça e algum desleixo; e, por outro lado, é provável que eu inclua ações e alocuções inúteis.
Os verbetes referentes a diários, journals e similares enchem várias páginas de qualquer enciclopédia. os li­mites classificatórios desses textos são vagos. Numa fi­rula taxinômica eu diria que não podem ser considera­dos diários, como muitos o fazem, o A journal of the Plague Year, do Defoe, ou o Diário de um sedutor, do Soren Kierkegaard, que mais me parece um romance epistolar, assim como as Confissões, de Santo Agostinho, ou as Confissões de um comedor de ópio, do de Quincey, que devem ser rotulados como literatura confessional. Quatro exemplos apenas, em uma miríade possível.